Textos livres

A moral do Pichador

Crônicas do Coronel

Nas últimas décadas, Vitória (ES) vem se tornando uma cidade ainda mais aprazível e melhor para vivermos, com a oferta de bons equipamentos de lazer, saúde, educação e segurança pública.

Pequena, bem cuidada e com um amplo sistema de patrulhamento ostensivo municipal – “Cerco Inteligente de Segurança” -, formado por centenas de vídeo-câmeras, a cidade se desenvolve e a qualidade de vida só aumenta, ano a ano, isto fruto de boas administrações municipais, independente das siglas partidárias que as levaram ao poder.

Assim, dia desses, caminhando por um dos calçadões, entre árvores frondosas, coqueiros e castanheiras, com uma brisa suave no rosto, algo nos despertou em uma frase escrita, aparentemente como uma “pichação” em um assento público, próximo à Academia popular, na Praia da Guarderia.

Embora seja bastante salubre, a capital dos capixabas não deixou de ter pichadores, que aparecem, por vezes, para expressar críticas, descontentamentos e opiniões, de forma não convencional, desfazendo inadvertidamente o conjunto da harmônica paisagem, que se desenha do mar às montanhas e manguezais.

Nos idos de 2000, à época da implantação do Programa de Planejamento de Ações de Segurança (Propas), não faltaram também “pichações” de descontentamento, feitas às espreitas na madrugada, por “gente grande”.

Viajando um pouquinho, como vizinhos esquecidos de outras grandes capitais do Sudeste, haveremos de nos lembrar que a ex-juíza de Direito “mineira-carioca,” Denise Frossard, inscreveu seu nome na história brasileira ao iniciar o combate ao crime organizado, irradiando coragem e destemor.

Frossard, em entrevista, certa vez afirmou que: “a cada 50 mil reais desviados dos cofres públicos, morria uma criança no Brasil”. Esse parâmetro, segundo ela, teria sido fruto de levantamentos da Transparência Brasil, ONG pioneira na busca de moralidade e transparência pelo Estado.

Destaca-se que somos um país com enraizada cultura de patrimonialismo. Laurentino Gomes, em sua primeira trilogia sobre o Brasil, revela que Dom João, como Príncipe Regente e depois como Rei, entre 1808 a 1821, em apenas 13 anos, concedeu, em troca de dinheiro, mais condecorações e títulos de nobreza do que nos 500 anos anteriores de seus ancestrais monárquicos em Portugal.

Portanto, no Brasil, a corrupção é coisa antiga, entretanto, a cada ciclo de poder político, aparecem os arautos da moralidade. Como de hábito, sempre se ouve dos que buscam conquistar o poder, o brado de que estão chegando ou voltando para combaterem os desvios de recursos públicos.

Quantas inverdades e desilusões!

Mesmo que pequena parte dos recursos públicos apropriados ilegalmente tenham retornado aos cofres estatais, alcançamos números vergonhosos de desonestidade, que nos colocam entre as nações cuja prática danosa é algo usual e cíclico.

Isto vem de longe, senão para desfocar o momento político, devemos também relembrar dos “Mandarins da República”, durante o período militar.

Em tempos menos remotos, um só gerente da Petrolífera brasileira, após ser alcançado pela Justiça criminal, devolveu cerca de 100 milhões de reais,antes usados para passeios turísticos internacionais e sustentação de um padrão de vida impróprio a um servidor público.

Em viagem à capital norte americana, um pouco antes da pandemia, nas cercanias da linda Sede da “Union Station”, ao negar esmolas a pessoas em situação de rua, ouvimos um sonoro manifesto do descontente indivíduo que não foi atendido, dizendo, em péssimo inglês: “brasileiro tudo ladrão”, referindo-se aos escândalos políticos entre nós ocorridos àquele tempo.

Em Bogotá, na Colômbia, depois, mais uma manifestação. Agora vinda de um taxista. Ele comentava dentro do veículo, quando em deslocamento, que a “corrupção no Brasil era um escárnio contra o trabalhador”.

Ufa, o Brasil poderia ser muito melhor se fosse mais honesto. Assim, não teríamos o título de campeões mundiais de homicídios, de país do medo e da insegurança, das estradas esburacadas, dos hospitais superlotados, das imensas populações em situação de rua e do serviço público lento e ineficiente.

Pode parecer ao leitor que derivamos do assunto principal, mas não, nossa descrição se deu apenas para que a frase do “pichador” anônimo, dita no preâmbulo desta crônica, sirva-nos para reflexão ética, politicamente falando.

Mas, enfim, qual era a frase escrita naquele banco à beira do calçadão da Guarderia?

Eis que a escrevo agora, como admirador do valor moral de quem menos se podia esperar: “pichação é crime, mas corrupção também é”.

Certamente, “pichação” poderá se “transformar” em crime hediondo, enquanto a lei da  “Ficha Limpa”, repousa em berço esplêndido.

*Júlio Cezar Costa é coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública