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Propas: a superação da insegurança pública

Crônicas do Coronel

No ano de 1999, diante de um agudizado quadro de violência criminalizada herdado, com presídios depredados e percentuais enormes de presos em fuga, delegacias superlotadas com presos provisórios, a ocorrência de várias greves nas polícias, a inacreditável quantidade de assaltos a bancos e com o número de homicídios crescendo a cada dia, além do sucateamento completo e sem exceções das estruturas dos Órgãos de Segurança Pública, ao instituir o Programa de Planejamento de Ações de Segurança Pública (Propas), o estado do Espírito Santo pretendia definir uma nova arquitetura na gestão da segurança pública.

Moderno, o modelo de ordem pública e de defesa da cidadania contava com inédito padrão gerencial para que os Órgãos de Segurança Pública se tornassem mais qualificados, ostensivos, eficientes e próximos da população. O objetivo era controlar a criminalidade, reduzindo-a a patamares civilizados dentro dos padrões internacionais.

Assim, esse modelo foi formatado em um conjunto de medidas, projetos e ações capazes de atuar com eficácia na proteção social, tendo como meta principal a oferta de maior sensação de segurança à sociedade.

O pioneiro programa constituiu-se, oficial e legalmente, na primeira política pública de segurança pública implantada no Espírito Santo. Eram oito projetos que se subdividiam em 23 subprojetos, abrangendo todos os gradientes de prevenção, tudo isso incluído no Plano Plurianual de Investimentos do Governo do Espírito Santo 2000/2003.

Em função de seu ineditismo, grandeza e complexidade, bem como da falta de quadros qualificados na estrutura da SESP e de questões históricas de conflitos entre as organizações policiais, o então governador optou, inicialmente, ao instituir o Programa, por criar uma estrutura executiva com quatro níveis ou instâncias, subordinada diretamente à governadoria.

Destaca-se que com o advento do Propas, a Polícia Interativa, nascida em Guaçuí (ES), fortaleceu-se, ocorrendo a sua sistematização através de parâmetros oficiais de interatividade social, o que culminou com proliferação de Conselhos Interativos em todo o Estado, e por fim, com a realização do Congresso das Comunidades, com a ativa participação de 1.167 lideranças comunitárias, em fevereiro de 2002, no Teatro da UFES.

Resultado importante dessa onda de interatividade é que a Polícia Militar do Espírito Santo se sagrou campeã nacional do concurso promovido pela Motorola do Brasil, obtendo a melhor posição entre 14 experiências exitosas de interatividade comunitária, no período de 2000 a 2002, tornando-se definitivamente, um referencial para os demais estados.

Assim, o Propas, além de pioneiro, também teve enfoque holístico e foi projetado para se desenvolver em ações de curto, médio e longo prazos. O Programa foi modelado por um time multidisciplinar de especialistas em segurança pública, com titulação acadêmica e experiência profissional, e contou ainda com a parceria de órgãos e instituições, como já dito, além de consultoria especial da professora doutora Jaqueline de Oliveira Muniz.

Desse modo, a divulgação institucional ocorria periodicamente para informar à população os resultados e novidades introduzidos na gestão e no fazer da segurança pública em campanhas publicitárias informativas.

Relevante e inédita, por isso digna de registro, foi a existência de um sítio próprio na Internet, onde todas as informações do programa estavam disponibilizadas à sociedade. Portanto, acompanhava-se todo o desenvolvimento dos inúmeros projetos em implantação em tempo real.

A ferramenta de transparência permitiu que se realizassem avançadas ações de supervisão civil e de prestação de contas.

Ocorriam, periodicamente, reuniões públicas do sistema de accountability no Palácio Anchieta, visando cumprir o enunciado da resolução 34/169 da ONU, que afirma: “toda força policial deve ser representativa da comunidade como um todo e responsável perante ela, prestando lhe contas”.

Entre 1999 e 2001, alguns integrantes da equipe gestora do Propas realizaram viagens de estudos aos Estados Unidos, Canadá, Costa Rica, Alemanha e Israel, com o objetivo de agregar conhecimentos técnicos e novas tecnologias na realização dos distintos projetos e subprojetos que estavam em desenvolvimento.

Assim, em 09 de dezembro de 2002, no Diário Oficial do Estado, pela primeira e única vez na história espírito-santense, foi publicado o Relatório Geral do Programa, detalhadamente, e ainda, todo o acervo do Propas, para fins de preservação histórica, foi encaminhado ao Arquivo Público Estadual, onde permanece até hoje aberto à pesquisa.

Inacreditável é que as “autoridades” que ocuparam o Poder, em sequência, por longos anos, esqueceram-se de manter os frutos trazidos pela eficiente e honesta política pública de controle da criminalidade, acreditada pela sociedade civil e acabaram por reintroduzir as midiáticas batidas policiais com direito a todo tipo de discriminação à população das periferias, “bandidanizando” a cidadania, apenas por categorização econômica.

Nunca é demais lembrar para fins de registro histórico, que em 1º de janeiro de 2003, o novo governo recebeu em caixa nada menos do que exatos R$ 12.503.495,30 deixados para dar continuidade aos projetos do Propas que estavam em desenvolvimento àquela altura, equivalendo hoje, a R$ 17.320.415,20, ou seja, “dinheiro vivo como nunca se teve”.

Por fim, somente em 2011, o Estado capixaba deixava a mesmice e repunha a política pública de segurança pública, agora com a criação do Programa Estado Presente em Defesa da Vida.

*Júlio Cezar Costa é coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública