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Quais as principais causas da violência no Brasil?

É difícil falar em segurança pública sem falar em violência. E é impossível falar em violência hoje sem falar da pandemia da Covid-19 e dos seus efeitos na dinâmica criminal. Tivemos um ano marcante, em um cenário jamais visto. Os indicadores precisam ser analisados levando-se em consideração esse contexto. 

Por isso, no post de hoje vamos falar sobre quais são as principais causas das violências no Brasil em uma perspectiva histórica. Mas também vamos abordar a influência da pandemia nas práticas de violências, assim como a forma como os profissionais e os órgãos de segurança pública vem atuando nesse ambiente.

Principais causas das violências no Brasil

Historicamente, a violência é usada como um instrumento político de repressão desde o período colonial, quando a Coroa Portuguesa usava de violência para escravizar negros e índios, passando pelas insurreições do Brasil Império e da Velha República até o período da Ditadura Civil-Militar, de 1964 a 1985, chegando no Brasil pós-Constituição de 1988. 

Por isso, antes de entrarmos nas causas propriamente ditas das violências no Brasil, precisamos destacar o quanto esse assunto é complexo e enraizado como um fenômeno sócio-histórico com reflexos socioculturais e político-institucionais. O que isso significa? Primeiro que não há uma forma de violência, mas várias. Daí usarmos o termo no plural, e não no singular, como o uso corrente adotada. Depois, que não é um ou outro fator isolado que causa a violência, e sim uma série de fatores entrelaçados e conectados com os contextos que permeiam a sociedade: economia, cultura, política, sociedade e história, etc. 

Com essa relação em mente, vamos entender quais são esses principais fatores.

Desigualdade social é um dos fatores conectados às violências no Brasil. Foto: Rita Martins/Agência IBGE Notícias

Desigualdade Social

O sistema econômico que o Brasil está inserido é estruturalmente excludente, o que faz com que a desigualdade social seja reiterada e crescente. Direitos garantidos formalmente pela Constituição Federal, como o acesso à educação, à saúde e à segurança,  atingem de modo seletivo a população, sendo materialmente sonegadas a milhões de brasileiros. 

Essa exclusão é um dos maiores fatores para a (re)produção de violências e crimes violentos no país. Podemos entender melhor esse cenário voltando à abolição da escravatura em 1888. Libertos, os negros, até então escravizados, foram deixados à própria sorte, sem acesso à educação, trabalho, moradia, alimentação, nem mesmo a um lugar na sociedade. A solução foi ocupar lugares onde ninguém queria estar, o que deu origem às favelas. 

Quando não há acesso a um meio básico de subsistência, o surgimento da violência se torna praticamente inevitável. Essa é uma das razões pelas quais a desigualdade social é tão presente ainda hoje, 133 anos depois.

Guerra às Drogas e Crime Organizado Transnacional como Fatores de Risco das Violências e Crimes

Além da desigualdade social, outro fator de risco que lidera as causas das violências no Brasil é a política equivocada de guerra às drogas, que fomenta confrontos diversos entre facções criminais e entre estas e as forças policiais, vitimando civis e policiais, em sua maioria, jovens, pobres e negros. Toda a economia do crime gerada pelo tráfico de drogas também é responsável por alimentar o tráfico de armas e de pessoas, furtos e roubos de veículos, entre outros mercados ilegais.

Uma análise mais ampla dessa problemática também concentrará atenção no impacto do crime organizado transnacional na dinâmica da criminalidade urbana violenta no país. A globalização acelerou e incrementou os fluxos de pessoas, capitais, comércios, cultura e conhecimentos, ao passo que ensejou o estabelecimento das chamadas organizações criminosas “transnacionais”. Diferentemente da violência urbana tradicional, o crime organizado internacional, além dos danos financeiros e humanos que gera, ameaça a soberania dos Estados, desafiando o Estado de Direito. 

A resposta a essa problemática demanda fortes investimentos em estrutura, profissionais e inteligência criminal. E aqui, paradoxalmente, o crescimento vertiginoso da população carcerária nas últimas duas décadas no Brasil tem oportunizado a emergência de facções criminais, que atuam dentro e fora do sistema prisional, em algumas localidades, como no Rio de Janeiro, em conluio com as lideranças que dominam o tráfico de drogas no país. 

Dito de outro modo, o Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, como preconiza o senso comum punitivo. Por outro lado, diversamente do que se poderia imaginar, segundo dados do El País, mais de 30 facções e milícias articulam hoje o crime organizado nos sistema penitenciário federal. Entre os crimes cometidos estão extorsão, assassinato, transporte clandestino e venda de drogas.

Índices de violência e pandemia de Covid-19

Com a pandemia de Covid-19, a dinâmica do crime mudou. Enquanto a violência familiar teve um salto, as restrições de lockdown e distanciamento social fizeram com que os crimes patrimoniais, que mais afetam a percepção social de segurança das pessoas, diminuíssem. O crime organizado, no entanto, não perdeu força no período. 

David Marques e Betina Warmling Barros, no anuário do Fórum Nacional de Segurança Pública, ressaltam que os fatores de risco para a prática de violências, no primeiro semestre de 2020, precisam ser analisados de acordo com as especificidades de cada região e com as peculiaridades das iniciativas desenvolvidas pelos entes federados estaduais em relação ao Covid-19. 

Por outro lado, no âmbito nacional, vislumbram-se duas movimentações importantes das Polícias Federal e Rodoviária Federal em relação ao crime organizado e às facções criminosas que atuam no tráfico de drogas no Brasil.  

A primeira é o aumento da apreensão de drogas, em volume e quantidade, no primeiro semestre de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. A segunda movimentação é em relação ao direcionamento de investigação da Polícia Federal em relação ao Primeiro Comando da Capital (PCC). 

Marques e Barros ressaltam que é fundamental observar essas ações para compreendermos se elas podem representar uma mudança de rumo na atuação das instituições em face do controle da criminalidade violenta e da prevenção das violências. Isso porque esses novos direcionamentos têm alto poder de impactar as taxas de homicídios que ocorrem no país.

Em se tratando dos homicídios de 2020, podemos observar um aumento de 5% em relação a 2019. De acordo com o Índice Nacional de Homicídios, criado pelo G1 em parceria com Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes violentas tiveram um salto de 41.730 para 43.892. O destaque negativo é para a região Nordeste do país, que teve um aumento de 20%. 

Veja no infográfico a seguir o índice de mortes violentas no Brasil dos últimos 13 anos:

Fonte: G1

De acordo com especialistas, o aumento acentuado, principalmente na região Nordeste, está relacionado diretamente a fatores circunstanciais. Ou seja, são casos pontuais que não têm relação com os fatores mais comuns e com impacto de médio e longo prazo, como a desigualdade social, por exemplo.

Uma das causas circunstanciais que elevou o número de mortes violentas foi o aumento de conflitos relativos ao tráfico de drogas e armas nas regiões Norte e Nordeste do país. É nesses locais que estão rotas consideradas fundamentais por criminosos que cometem essas infrações.  

Outro fator que chama a atenção no índice é o aumento da violência doméstica, que já vinha crescendo nos últimos anos. Se por um lado os números oficiais parecem indicar que houve menos violência, a realidade das denúncias é outra. Só em abril de 2020, as denúncias ao 180 aumentaram 40% em relação ao mesmo período de 2019. Acontece que, sem o boletim de ocorrência (B.O.), as denúncias não entram nas estatísticas da segurança pública. E muitas denúncias não são registradas na delegacia devido justamente à opressão do agressor. 

Iniciativas das forças de segurança pública

Finalmente, quando falamos aqui no blog sobre a atuação das forças da segurança pública no Brasil, trouxemos a importância da educação como iniciativa de prevenção de crimes. Segurança pública não é só a atuação no crime em si, por isso as forças também atuam na promoção do bem-estar da população através do acesso do direito à educação.

São alguns exemplos dessa atuação os projetos em escolas e comunidades que promovem a reflexão sobre o respeito ao próximo e às leis, bem como as iniciativas que orientam os jovens a entender a violência intrafamiliar, romper o silêncio e denunciar os autores. 

Outro ponto indispensável, e que foi um marco na segurança pública, é a integração entre as Forças Federais, Estaduais e Municipais através do SUSP – Sistema Único de Segurança Pública, criado em 2018, com o objetivo de promover iniciativas que visam  a prevenção da violência e da criminalidade no país.

“Faz-se imprescindível uma Agenda de Segurança Cidadã focada, essencialmente, no aprimoramento da gestão da informação, na promoção de políticas públicas de segurança e no reconhecimento do papel das Guardas Municipais na prevenção das violências desde as cidades”, resume o professor Eduardo Pazinato, Coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã e idealizador do primeiro Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública Municipal 100% EAD da FADISMA.