Saúde mental na segurança pública: como é o apoio psicológico aos profissionais

Estar na linha de frente da segurança pública é colocar-se em risco todos os dias. Servir e proteger a população tem seu preço na saúde física e mental dos profissionais das forças de segurança.
As taxas de violência são crescentes e não existe um botão de liga/desliga para o policial que vivencia o enfrentamento à criminalidade nas ruas. Voltar para casa no fim do dia como se nada tivesse acontecido não é uma opção. Então, como manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Como apoiar esses profissionais que estão na linha de frente?
Hoje vamos falar sobre a saúde mental dos profissionais da segurança pública, dos fatores de risco, do tabu nas corporações, e da importância do apoio psicológico.
Mas antes, vamos ver como é a avaliação psicológica nos concursos de ingresso à carreira policial.
Carreiras Policiais: avaliação psicológica na área da segurança pública
Uma das etapas para ingressar na área da segurança pública é o Teste de Aptidão Psicológica, também conhecido como TAP. O objetivo do exame é verificar o estado mental de candidatos e candidatas e habilitá-los, ou não, para as atividades que irão enfrentar no dia a dia como profissional da segurança, seja nas polícias Federal, Civil, Militar ou na Guarda Municipal.
O exame varia de acordo com o concurso público, mas a gente trouxe um exemplo de como foi o da Polícia Rodoviária Federal de janeiro de 2021 para você entender melhor.
O edital traz que a avaliação é um processo sistemático e realizado através de um conjunto de procedimentos científicos para verificar:
- Capacidade de concentração e atenção;
- Capacidade de memória;
- Tipos de raciocínio;
- Características de personalidade como: controle emocional, relacionamento interpessoal, extroversão, altruísmo, assertividade, disciplina, ordem, dinamismo e persistência.
Outro ponto é a avaliação de características de personalidade restritivas ou impeditivas para as atribuições do cargo. Entre elas estão agressividade inadequada, instabilidade emocional exacerbada, impulsividade inadequada e ansiedade exacerbada.
A avaliação é dividida em duas etapas:
Etapa 1: Não eliminatória. É feita através de um conjunto reduzido de testes psicológicos para início da avaliação contínua do candidato e inclui a emissão de um laudo psicológico.
Etapa 2: Eliminatória. É feita no Curso de Formação Profissional e contempla a aplicação, correção e análise dos resultados dos seguintes testes:
- testes psicológicos: escalas, inventários, questionários e métodos projetivos/expressivos;
- entrevistas psicológicas semiestruturadas;
- registro de observação de comportamentos individuais em aulas operacionais e por meio de processo grupal.
O teste, por ser eliminatório, é temido pelos concurseiros que desejam ingressar na carreira da segurança pública. Em 2019, no concurso para soldados da Polícia Militar de Santa Catarina, 40% dos candidatos foram desclassificados nessa etapa.
O tabu da saúde mental na Segurança Pública
O tabu nas instituições de segurança é um dos fatores que levam os profissionais a sofrerem em silêncio e, também, motivo pelo qual muitas das mortes por suicídio não sejam notificadas pelas corporações. O estereótipo do policial forte por trás da farda impede, muitas vezes, que o policial peça ajuda.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aborda esse tabu e o preconceito em relação ao profissional em sofrimento mental. O registro aponta, entre os fatores de risco para os profissionais, o convívio permanente com a morte e a violência, as extenuantes jornadas de trabalho e a falta de sono, lazer e convívio com a família.
O estudo ainda mostra que em 2019 morreram mais policiais por suicídio do que em confronto durante o serviço. Veja no gráfico abaixo:
Em entrevista à FADISMA, o pesquisador do Ipea, Daniel Cerqueira, fala que a chance de um policial se suicidar é três vezes maior que a de um civil. E que para esse cenário mudar no Brasil é preciso investir em políticas mais efetivas, para que o modelo policial utilizado hoje saia do reativo e parta para um modelo com foco em inteligência e prevenção social. Veja abaixo a entrevista completa:
Apoio psicológico durante a carreira na segurança pública
Um caso recente e que repercutiu sobre a saúde mental dos profissionais de segurança pública foi o do soldado Wesley Soares Góes, no dia 28 de março de 2021 no Farol da Barra, ponto turístico de Salvador. O policial militar estava armado com um fuzil e uma pistola realizando disparos para o alto enquanto gritava “venham testemunhar a honra ou desonra do policial militar da Bahia”.
O BOPE foi acionado para cercar o local e negociar com o PM. Wesley foi atingido por um tiro após disparar contra os militares e não resistiu aos ferimentos.
Os números do Anuário, assim como o caso do Góes e de tantos outros, acendem um alerta amarelo para que iniciativas de prevenção sejam adotadas.
Em matéria realizada pelo Fantástico, em 2019, Santa Catarina, por exemplo, possuía 14 psicólogos para atender 10,3 mil policiais militares. Na pesquisa, realizada em todo país, apenas as corporações militares de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul promoviam exames periódicos em toda a tropa após o ingresso no serviço.
Em outubro de 2019 representantes das forças policiais se reuniram em audiência da Comissão de Segurança Pública da Câmara de Deputados para discutir medidas para diminuir o índice de suicídios entre os profissionais da segurança pública.
Na ocasião, o representante da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Coronel Allan Quint, falou sobre a introdução de uma disciplina de qualidade de vida na formação de novos integrantes das forças de segurança pública, nos cursos de aperfeiçoamento e, também, no curso superior, como uma das ações de manutenção da saúde e prevenção ao suicídio para os agentes de segurança.
Pró-VIDA – Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança
Iniciativa do Governo Federal, o Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança Pública e Defesa Social foi criado em 2010 com o objetivo de valorizar o profissional da área de segurança, reduzindo os riscos de morte e atuando na prevenção da saúde no exercício da profissão.
A iniciativa faz parte do SUSP – Sistema Único de Segurança Pública e uma das premissas é promover a saúde física e mental, além da segurança no trabalho desses profissionais e de seus familiares. Tudo isso buscando proporcionar qualidade de vida, fortalecimento e condicionamento físico para suas atividades laborais e bem-estar.
Durante o Encontro Técnico Anual do Pró-Vida, realizado em agosto de 2019, o secretário Nacional de Segurança Pública da época, Gal. Guilherme Theophilo, falou sobre a importância da qualidade de vida do profissional de segurança pública e da implementação do programa. “O Pró-Vida está atuando para melhorar o atendimento da saúde, seja ela física ou emocional. Afinal, isso tudo faz parte da qualidade de vida pela qual o MJSP está empenhado em oferecer para todos os profissionais de segurança pública”.
O impacto da pandemia na saúde mental dos profissionais da segurança pública
A Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que saúde é o conjunto de bem-estar físico, psíquico e social. Ou seja, qualidade de vida e saúde precisam andar juntas para que um indivíduo seja inteiramente saudável.
Com a pandemia da COVID-19, a saúde mental entrou ainda mais em pauta. As mudanças na forma como nos socializamos, trabalhamos e executamos tarefas do dia-a-dia, aliadas ao medo de contrair o vírus, trouxeram uma grande carga psicológica para a vida das pessoas.
Em pesquisa realizada entre policiais penais e agentes prisionais em 2020, dos 73,7% dos profissionais que relataram ter a saúde mental afetada pela COVID-19, apenas 5,1% tiveram apoio da instituição.
O policial, que já lidava com todos os fatores de riscos que mencionamos aqui, agora tem mais um “inimigo” para combater, e é impossível não pensarmos em como esse novo elemento impacta diretamente no bem-estar desses profissionais e aumenta ainda mais a bandeira amarela para o cuidado e apoio psicológico necessários.